quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Inverno

Gemem os arvoredos
E as pedras também.
É o Inverno das fomes e dos medos,
Das ânseas e das dôres,
É o Inverno nos Açores

O vendaval além vai gritando,
Fustigando,
Os corpos cerados.
E da alma das gentes
Vão surgindo preces
De lábios que se movem,
E vão rezando

A bruma vai cobrindo,
E o dia indo.
De oeste a ventania não se cansa,
Fazendo da "morte" a sua herança.
E o Pico lá longe
Vai-se escondendo,
Na maresia alva de sal,
Que se aleiva na calva do Canal.
Pelos fios sopra o vento, arrulhando
E quem passa na rua,
Vai-se curvando

E é no remanso do pequeno lar
Que fico pensando,
No frio que no mundo vai grassando,
E no pão que falta a tanta gente;
E nos Invernos que tantos vão calando,
E nos peitos que se vão dilacerando.

É que para uns a vida é mesmo Inverno,
Com ventos, chuvas e frios de rachar
Enquanto que para outros pode ser cómodo Estio
Ou mesmo Primavera de embalar...
Humberto Moura
Jan. de 1996

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Mais umas breves linhas do livro "Sinais de Infinito" do 23º Cap. - Um Bar no Centro do Mundo de Humberto Moura

(...) Mas a Ilha, e a cidade em particular, era ainda um paraíso para se viver.
Que o dissessem os estranjas que no Verão a enxameavam.
A vida era barata. O sossego muito. A marina, embora socorrendo-se de uma escrita de mercearia, batia recordes de entradas e de saídas de ano para ano. Não era apenas a mais movimentada dos Açores, mas estranha e surpreendentemente, uma das mais movimentadas da Europa.
No Verão a cidade transfigurava-se na (1)maior pequena cidade do mundo.
De "skipers" barbados viajando em solitário em pequenas embarcações à volta do mundo, a tripulações fardadas a rigor em super veleiros, por vezes trazendo os seus próprios proprietários, (quase sempre magnates ou super milionários da informática ao petróleo em busca de rendez-vous e sonho fácil em outras paragens como Mediterrâneo e Antilhas), vindos das Caraíbas ou em retorno, rumo às Américas, refastelavam-se pelas ruas basaltinas da urbe, nos seus restaurantes ou nas três praias que lhe guarneciam a ilharga, exibindo o seu ar despreocupado e dengoso, a fazer dela um centro cosmopolita, (aliás o que sempre fora), e um caldeirão imenso de raças e cores, todo ele convergindo na direcção de um pequeno bar de baía dos mais conhecidos e laureados do globo: o Bar com a chancela do cachalote - o Peter, Café Sport.
Tornara-se mesmo referência e passagem obrigarória, quer a cidade, quer por extensão o café, para quem usasse a rota do Atlântico Norte.
Assim a cidade renascia uma vez mais da missão histórica que lhe fora confiada: apoiar a navegação nas viagens de médio e longo curso à volta do mundo.
Assim fora desde sempre. Desde os primeiros descobrimentos henriquinos, nos promórdios do século XV perdurando no presente, o raiar do século XXI, a apenas uns meses de distância...


(...) Só o Faial vale tudo (e valia)...
E isto era o rosto da civilização!
Era a mais alegre, a maior pequena cidade do mundo.
Era a riqueza de Londres e de Nova York!
Era o requinte de Paris, o luxo de S. Petersburgo!
Todos mercavam, vendiam. Embarcavam...
(1)In "Sinais do Tempo" de Pedro da Silveira.