segunda-feira, 26 de agosto de 2019

UM APONTAMENTO DE SUPERMERCADO

E hoje, sendo um dia como os demais, diferenciando-se apenas por coincidir com o " dia dos meus anos" - 26 de Agosto, comecei por pensar, se este não será provavelmente  o último de uma imensa série de outros, que fizeram parte de uma vida, - a minha -,  muito igual à de muitos, que por aí andam e abundam, postos e dispostos, à revelia, depois de lhe lhes terem  dado um pontapé no fim das  costas, vulgo traseiro, ou  um "chuto" à inglesa e lhes  dizerem: anda escravo, avança e mexe-te lá,  até que possas. E foi o que fiz. Se bem ou se mal, poderá até acontecer, que alguém mais sagaz e  curioso, o faça daqui a uns tempos.
A grande e maior recordação que dela (vida) tenho, que longa já vai, é que estive sempre pronto, para dar a mão a quem quer que surgisse, apresentando-se aflito e com um única condição: não ter quem o defendesse ou apoiasse e os apuros estivessem na sua ordem de dia. E quase  sempre o fiz com sucesso. Qual o segredo então? Qual a  minha arma? O segredo, foi um certo estoicismo, e a convicção de que ninguém pode ser esmagado, sem ter alguém que o defenda. A arma utilizada : a escrita. Se vivi sempre bem? Sim. Comigo, principalmente, porque contei sempre com uma "ARMA PODEROSA" escondida,  que se está a perder cada vez mais e que se chama consciência
E já que falamos de consciência e de escrita, não faz muitos anos, talvez para aí uns cinco ou seis, se não mais, que estando a tentar recolher uns gêneros,  para ajudar a obedecer à lei imposta pela vida, no Modelo, agora Continente, alguém se me dirigiu, fixou-me por instantes, e foi dizendo: "Li um livro seu ". Fiquei quedo, admirado: Gente em pleno século XXI a ler?
Qual, fui perguntando.  " O Sismo na Madrugada" - respondeu. Voltei à carga, como é meu estilo e hábito. tentando sacar algo de "picaresco" à questão: " Não lhe vou perguntar se gostou, mas se conseguiu chegar  ao fim..." Cheguei, sim senhor - foi dizendo - e gostei. Fiquei desarmado. Logo a senhora, que aparentava uma meia idade, mal disfarçada, e que desconheço de onde e quem é, insistiu com uma curiosidade que me impressionou:
O senhor é o Quevedo?
Quevedo é a personagem central do romance, alguém que passou por tudo na vida, até pela morte. É dado como desaparecido variadas vezes, como repórter de guerra, atravessando a Guerra Civil de Espanha e a Segunda Guerra Mundial. Uma figura de todos os tempos, e de todos os espaços. Alguém que sai muito jovem do Faial e só regressa velho, despojado e esquecido, um estrangeiro na sua terra, que se "aloja" na sua velha casa à rua do arco, mais de cinco dezenas de anos depois, e que vive solitário, apenas na companhia de um gato, que em dia invernoso veio ter-lhe à porta nos limites da  existência. Vem acaba por morrer mais tarde e  a seu lado, vitima do sismo que ocorreu em Novembro de 1998.
Mas a resposta à pergunta, se eu era o Quevedo, não conseguia sair da forma mais  atempada e coerente. E ela, logo repetiu se eu era ou não era o Quevedo.
Não era, fui-lhe dizendo, mas que se gostava de ter sido, lá isso gostava.
Esqueci-me de lhe dizer, é que o escritor está sempre por trás das personagens que cria e recria.
Vive várias vidas. Sente os infortúnios e as magoas, as alegrias e as penas, os anseios, e as esperanças do mundo que foi criando com as palavras. E sente, tal como na vida, os reveses, e as perdas, que vão acontecendo ao longo da trama, do enredo e da história.
E fiquei a pensar. Um livro como aquele, roubou-me seis anos, seis, mas não foi mal empregue. Pelo menos uma pessoa passou os olhos pelas suas quase quatrocentas páginas. Bem haja por isso.. 



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